Há muito tempo que se critica a Lei Rouanet. Agora começou a caça às bruxas e começaram pela Bethânia. O Bradesco apoiando o Cirque du Soleil com quase 10 milhões aprovados de isenção de imposto (dinheiro público) não fez metade do barulho. Afinal se a Bethânia não precisa de apoio público, que dizer do Bradesco? E do pobre circo internacional, com ingressos a singelos R$370?
Uma distorção não justifica a outra, mas evidencia possíveis interessados no ataque. Até hoje, quem atacava a Lei Rouanet era acusado de "dirigismo cultural". Por querer que os mecanismos de incentivo e suporte a cultura saíssem dos balcões dos bancos e empresas de amigos para editais com visibilidade pública. E quem criticava? A Globo, a Veja... Esses órgãos que passam longe de exercer seu "dirigismo cultural" o quanto podem (sic).
Agora muitos aderiram ao ataque à Lei Rouanet não nos seus bichos papões, mas nos ex-bicho grilos. Ricos agora e que não precisam de tanto apoio público. Digo tanto porque a arte precisa de apoio público sim. Sem dinheiro público é dificil manter casas de cultura, fazer pesquisa, publicar conteúdo pagando seus autores de maneira gratuita.
Ninguém estranha que os cinemas, teatros, casas de show tenham todos nome de banco? Isso pode parecer uma bondade dos maiores fazedores de dinheiro de atualmente, mas é marketing bancado com dinheiro público. E se não fosse esse dinheiro público, provavelmente esses espaços estariam fechados ou em pior condição.
Só que como a condição geral dos artistas brasileiros ainda é infelizmente muito frágil, um exemplo desses serve perfeitamente pra criar um bode expiatório. Todos jogam suas frustrações e salários mal pagos na fogueira que pretende queimar as bruxas muito bem remuneradas. Mas esse fogo pode destruir mais que se imagina.
O que deveria estar em questão são modos mais democráticos e descentralizadores de espalhar esses incentivos. E esse é o questionamento sobre a Lei Rouanet. Não seu linchamento sem algo que a substitua e melhore.
Que bom que as empresas querem patrocinar cultura, o estado deve incentivar. Mas elas também devem botar a mão no bolso.
E o estado tem que botar a mão no bolso para que uma legião de pessoas que trabalha incessantemente por bens culturais que são apreciados por todos, muitas vezes de graça, na rede, tenham condição de fazer o seu trabalho. E que existam espaços e estrutura para público e artistas trocarem.
Quando quiseram simplesmente por abaixo a Embrafilme sem nada que a substituísse, o cinema brasileiro parou. Apenas um filme no ano, realizado por um bom diretor com um uni(co) banco por trás. E na época da Embrafilme, o cinema brasileiro chegou a ter 30% das bilheterias, fato histórico que estamos nos aproximando novamente. Ou seja, é necessário apoio público para que o público tenha direito de selecionar o que gosta. É o oposto de dirigismo cultural: é defender a multiplicidade cultural.
A caça as bruxas e o debate histérico (pra não chamar de linchamento) esconde as maiores questões em toda essa polêmica. A reforma da lei é urgente assim como o apoio estatal às artes. Cultura é como educação e saúde: não pode ficar nas mãos dos bancos, nem no banco dos réus.
maravilhosa capa do cd de Thom Yorke "the Eraser"