domingo, 27 de fevereiro de 2011

pause

Escrevo esse post no metro após uma filmagem no cemiterio e antes de uma apresentação na rua. Graças à chuva ganhei um respiro. Workaholic? Sim, mas se quer construir sua carreira com arte no brasil, pelo menos por um bom tempo, não há muita escolha. Talvez um berço de ouro ou vender a sua criatividade pra publicidade...
Eu que me encaixo no perfil, vivo a sensação continua de emendar, sobrepor e alternar um projeto no outro. Coisa de louco, uma industria cultural introjetada bem distante da boa vida de ócio imaginada aos artistas. E são paulo, com seu ritmo frenético, sua dissonância com o tempo natural e seu variado cardápio cultural é um perfeito cenário pra esse frenesi real.
Comecei uma música-desabafo que ainda ganhará muitos verbos. espero ter tempo para cantar, gravar e para terminar...

Levo a vida ligado no 220
Esperando chegar o momento seguinte
Tentando ultrapassar o meu proprio limite
Não posso parar
Não posso mudar
Cada instante que eu paro está me faltando ar

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Um anjo negro dançando no escuro

Misturando duas grandes obras no título posso começar a falar de outro filme do Daren Aronofsky, o polêmico CISNE NEGRO. Ele nem era um dos diretores que mais me interessavam, teve filmes inclusive que parei no meio. Mas nesse recém-nascido blog é a segunda menção a um filme dele. Também porque ele volta a alguns temas de "O Lutador" como a mescla entre vida e palco, fracasso/ sucesso, realização e morte. Mas esse filme tem algo de muito mais perturbador. Ele leva o espectador aos limites de um jogo de sombras, a tal ponto de rachar a plateia. Porque muitas pessoas simplesmente não se deixam levar pelos delirios imagéticos, pelo peso assumidamente barroco da narrativa e rejeitam o filme. Mas essa ousadia de se propor nitidamente aventuras estéticas, de sair do lugar comum, de aceitar tanto a vaia quanto o aplauso é maravilhosa.
Me lembra o tour de force de "Dançando no Escuro", pra mim uma obra-prima em todos os quesitos. Tem o efeito do teatro desagradável de Nelson Rodrigues, suas peças míticas que chegaram a levar gigantescas vaias antes de se tornarem clássicos.
Há muito tempo não sai do cinema tão provocado. Pela força das imagens, pelos abusos kitsch da direção de arte e pela liberdade de encarar as vísceras de uma história de balé já tão batida. Ele mistura a maldição do "Lago dos Cisnes" com a vida da bailarina-princesa. Um arquétipo poderosíssimo da busca anoréxica pela perfeição dos dias de hoje.
Opondo esse modelo vendido até hoje por todos os lados da mocinha de rosinha, perfeita, magérrima, que se encaixa em vestes para desempenhar como uma máquina suas partituras com outro arquétipo muito comum: a femme fatale. Aquela que faz tudo pra conseguir o que quer e usa o sexo pra manipular e conseguir poder.
Nenhuma novidade?
Mas esses vampiros andam a solta, buscando papel principal de diretores consagrados, capas de caderno de cultura, programas de tv, já vi milhares com os mais diferentes disfarces... Não vê quem não quer. Ou quem ainda não quebrou sua redoma de princesa. E o filme resolve escancarar isso de modo expressionista. Aos limites do suportável e nisso ele faz uma dramaturgia simbólica e sentimental. O que guia as ações não são simples causa e efeito, mas a atmosfera sufocante dessa competição desenfreada, dessa busca violenta por um lugar ao sol artificial de um palco vazio.
Bem, já tinha uma letra que ando trabalhando e que vai bem por ai. Voltei do cinema, embrulhado por uma infecção alimentar que me derrubaria alguns dias e fui trabalhar na música.

Você sempre quer o sucesso
faz de tudo pelo sucesso
você faz sexo, perde o nexo,
você faz tudo pra dar certo

tem uma fera na selva que precisa sair
tem algo enterrado
roendo dentro de mim
essa é a resposta tardia ao seu teatro sem palco
este é meu estômago ferido por ser enganado por

sua fotocópia
de declaração de amor

sou o cisne negro
que sorri por trás do espelho
sou um tumor maligno
de seus amores mal-vividos
sou a sombra triste
sou a assombração do seu filme de terror
sou a carapuça
que foi feita sob medida pra

sua fotocópia
de declaração de amor

obs: Quanto ao final do filme, uma pessoa que fez uma figura como Berlam cantar "Morte no Palco" acho que deve ter gostado bastante...

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Como os nossos pais

Uma coisa típica desse "era" pós-moderna (isso é uma era, ou apenas um hiato no tempo?) é o excesso de referências. Tudo vem descrito através de referências. Como se propostas estéticas só fossem válidas se alguém já tivesse feito antes. Olhem que curiosa inversão de valores... Qualquer release e matéria desfila comparações com artistas consagrados. Como se estivessemos em uma daquelas reuniões publicitárias em que se escolhe que cara vai ter o produto através de outros produtos de sucesso. E não estamos?
É claro que compor é um processo dificílimo, e a música tem padrões repetidos desde que o mundo é mundo. É inevitável que vc repita algum padrão, mesmo involuntariamente. Mas muitas vezes eu ouço músicas como se elas fossem uma versão de uma música já feita. Como fazem em campanhas de publicidade mesmo.
A diferença é que a repetição muitas vezes prima pelo efeito e peca pelo conteúdo. Uma coisa é soar como Johny Cash em um estudio. Outra é ter o efeito sendo criado. Comprei recentemente o disco ao vivo dele na cadeia "at Folsom´s Prison" e é muito provocador. Os que hoje representam um clássico, já foram vanguarda. E agora soamos como clássicos.
A banda mais incensada atualmente é... Beatles. Que já acabaram há mais de 3 décadas.
Bom sinal de que a boa música permanece? Sim. Mas mal sinal de que a música não tem se reinventado muito. Os Beatles já estiveram no auge em seu tempo, falando de seu tempo. John Lennon e seus afiados discursos que o digam.
Citando, quem diria (!), uma capa da veja, vivemos em tempos bons moços. Ou de lobos disfarçados de cordeiros, de novas madonnas e velhos heróis cristianizados. Quem ousa romper com a nossa recente tradição de Caetano, Roberto, Chico ou Bob Dylan, Lennon, Stones?
Nossos heróis são nossos pais. E a música que eles fizeram e eles ouviram.
Já eles, pra ser quem são, desobedeceram bastante os deles.